Árvores, cidades e cidadania: a gestão pública da flora urbana.
Fernando Jaeger Soares
Biólogo na Sec. Mun. de Planejamento, Habitação e Meio Ambiente
Nos últimos dias a administração pública de Três Coroas tomou a iniciativa de avançar com algumas demandas estagnadas no setor da arborização urbana. Felizmente a poda e o corte de árvores é uma atividade que provoca sentimentos nas pessoas. E a maioria dos casos traz mais sentimentos de afeição e proteção às árvores do que sentimentos de desgosto ou repúdio a elas; isso é ótimo, como vou explicar mais adiante. Mas primeiro quero convidar os leitores e leitoras mais engajados no tema para me acompanharem numa reflexão, que será abrangente e técnica, à altura da cidadania participativa, proativa, e comprometida que as árvores da Cidade Verde, a Rainha do Paranhana, merecem.
Pensa aqui comigo: a arborização urbana da Cidade Verde não pode mais ser levada de forma leviana. Não pode. Isso tem que parar. Estamos há 20 minutos de um polo turístico internacional. Nosso mote remete às árvores. O nome da cidade, gente, vem de uma araucária com três fustes e três copas. A cidade é toda linda, com um rio maravilhoso, padrão europeu, sabe… daquelas cidadezinhas do interior. Mas a beleza, assim como tantos outros benefícios que o verde da cidade nos traz, é um patrimônio que, sem o devido cuidado, sem a devida seriedade e dedicação, também se deteriora. O fortalecimento de nossa economia depende de tratar esse assunto com o devido cuidado.
Por isso afirmo que é ótimo que existam pessoas que notam os serviços, se preocupam e se manifestam em redes sociais acerca das árvores, porque este engajamento político é fundamental para o desenvolvimento de uma política que resolva essa questão de uma vez por todas.
Precisamos pensar o que fazer sobre TODAS as árvores das calçadas, praças, e áreas verdes públicas e privadas, tanto aquelas que hoje se encontram lá, como as árvores que serão plantadas. É um bem comum, um direito garantido pela Constituição Federal. E precisamos fazer isso para um horizonte de no mínimo 20 anos. Essa é a magnitude do compromisso, esse é o nó da questão. Não se trata de resolver o problema de uma, duas, dez ou duzentas árvores, mas de milhares. E não se trata essa questão sem cidadania e participação ativa e esclarecida. Por isso e elaboração, aprovação e publicação de uma política de gestão da arborização urbana é fundamental. Não apenas para nortear as decisões desta e das administrações subsequentes, mas principalmente porque SEM o apoio e engajamento prático da população, simplesmente não é possível dar conta da situação.
Estamos sob décadas de desconsideração, com algumas tentativas frustradas de trazer ordem ao caos. Dessa vez precisamos ser mais criativos, coletivos e definitivos. Falo isso pelo bem da cidade que eu escolhi para viver e cuidar. Saliento ainda que o desafio não será fácil, pois há um legado de descuido que impõe sua própria inércia. Mas tenho expectativas de que ao final desta administração mudanças positivas e significativas já serão observadas.
Agora vamos aos fatos:
Visando mais uma vez atender demandas emergenciais (em consequência do legado citado acima), me foi solicitado orientar as podas e cortes de algumas árvores na avenida João Correa, o que prontamente atendi, pois é um tema do qual tenho habilitação e nove anos de experiência para me envolver. É lamentável, mas as árvores que lá se encontram hoje continuarão demandando manejo, dos quais, algumas precisarão ser do tipo poda drástica, supressão, ou de condução da copa. Infelizmente existe logo acima de algumas a rede de distribuição de energia e de comunicação. As espécies são do tipo que, se deixarmos crescerem, alcançarão grande porte impondo riscos altíssimos de perda de energia ou mesmo rompimento de cabos em dias de ventania. O local onde foram plantadas é extremamente compactado e limitado ao crescimento tanto dos caules como das copas. Mais do que isso, a ramificação já estava comprometendo a circulação de caminhões e carros. Algumas estavam também perigosas para motociclistas. Já as árvores mais para o lado da Fernando Ferrari foram removidas por se tratarem de árvores exóticas em estado fitossanitário precário (Cinamomos) ou invasoras (Leucena). Provavelmente não é de conhecimento da população, mas MUITOS cinamomos no município foram atingidos por alguma doença que não conseguimos diagnosticar. Mas muitas árvores observadas em campings e inclusive aquelas árvores magistrais do campo do Fluminense lá no Vila Nova também foram atingidas.
Então, por este breve parágrafo podemos ver que a relação das árvores com o meio urbano é mais complexa do que parece. Querem ver? Aqui está a lista de motivos mais populares pelos quais as pessoas pedem para cortar e/ou podar árvores:
– Faz muita sombra;
– Faz muita sujeira;
– Está próxima dos fios;
– Está próxima da casa;
– Está impedindo a iluminação;
– Está feia;
– Está doente;
– Está muito perto da entrada da minha garagem;
– Está na divisa do terreno;
– Está atrapalhando a venda do terreno;
– Está levantando a calçada;
– Está atrapalhando a construção;
– Está atrapalhando o portão;
– Está rachando o muro ou a parede da casa;
– Está entupindo os canos;
– Tem risco de cair ou dos galhos quebrarem e caírem;
– Os maconheiros sentam ali debaixo para fumar maconha;
– Dificulta a visualização de placas de publicidade;
– Tem muitas garças em cima fazendo muita sujeira;
Devo ter esquecido alguns. Apesar disso tudo, as árvores são essenciais à saúde, física, psicológica e ambiental. São essenciais ao equilíbrio térmico, ao equilíbrio hídrico, à mitigação da poluição atmosférica e sonora, à manutenção da avifauna urbana, e por incrível que pareça, à redução da força dos ventos. Precisamos das árvores. Mas mais do que isso, queremos conviver com elas por natureza, pela beleza. Está na nossa natureza.
Mas não para por aqui. Para que se consigam atender as demandas precisamos ainda considerar a logística, a disponibilidade de profissionais qualificados e habilitados, o custo, o tempo de serviço, a disponibilidade de caminhão para remoção do material, e para alcançar os galhos mais altos em se tratando de poda profissional.
Por isso insisto que não há como acertar o tom, a harmonia de todos esses fatores, sem prescrever sua cooperação, sua interdependência em uma política pública bem fundamentada, que possa definir após análise criteriosa, a definição do que plantar, quando plantar, onde plantar, como plantar, porque plantar, e consequentemente, o que, quando, onde, como e porque podar e cortar árvores, sem esquecer de como abastecer a cidade com mudas adequadas para uso urbano.
A Cidade Verde merece essa responsabilidade. Deixar a gestão da arborização urbana solta à deriva das vontades individuais é oxigenar a fogueira dos conflitos nas mídias sociais. Somos muito melhores do que isso.
Finalizo esclarecendo que este foi um dos dias internacionais do meio ambiente mais satisfatórios que já vivi aqui nessa cidade. Para mim, o meio ambiente não é a natureza biológica ou a biodiversidade, é o meio, é o ambiente. Que maneira melhor de honrar essa data, se não com uma reflexão e uma provocação para que continuemos nos envolvendo com os problemas e as soluções que cuidar do meio ambiente exige?
